Revista Pesquisa FAPESP - Igor Zolnerkevic
Equipe internacional mede pela primeira vez o aumento da entropia em núcleos de carbono
Em física, o grau de desordem é medido por uma grandeza chamada entropia, que quase sempre é crescente nos fenômenos do mundo macroscópico – no máximo ela se mantém estável, mas nunca diminui em um sistema dito isolado. Uma das consequências de a entropia sempre aumentar é que, quanto maior a desordem, mais difícil se torna reverter um fenômeno perfeitamente. “Não é possível desfazer a mistura entre o café e o leite depois de misturá-los, por exemplo”, diz o físico Roberto Serra, pesquisador da Universidade Federal do ABC (UFABC) e integrante da equipe que fez os experimentos no CBPF.
Isso acontece porque o café e o leite – e tudo o mais no mundo macroscópico – são feitos de quantidades absurdamente elevadas de átomos se movimentando das maneiras as mais variadas possíveis, a maioria delas aleatórias e incontroláveis. Ante número tão elevado de combinações possíveis, até existe a probabilidade de os átomos de café se separarem dos de leite, mas ela é próxima a zero.
É também por isso que não se veem os pedaços de um prato que se parte voltarem a se unir espontaneamente.
No dia a dia, os seres humanos associam a irreversibilidade desses fenômenos à passagem do tempo e às noções de passado e futuro. Em condições normais, café e leite só existem separados antes de se misturarem e um prato perfeitamente íntegro só existe antes de se quebrar. A noção de irreversibilidade levou o astrônomo e matemático inglês Arthur Eddington a afirmar em 1928, no livro A natureza do mundo físico, que a única seta do tempo conhecida pela física era o aumento da entropia no Universo, determinado pela segunda lei da termodinâmica – a única lei irreversível da física. O conceito de seta do tempo expressa a ideia de que a passagem do tempo ocorre num sentido preferencial: do passado para o futuro.
“Embora a percepção de que o tempo não para e caminha sempre para o futuro seja óbvia em nossa experiência cotidiana, isso não é trivial do ponto de vista da física”, diz Serra. Essa dificuldade ocorre porque as leis que regem a natureza no nível microscópico são simétricas no tempo – e, portanto, reversíveis. Isso significa que não haveria diferença entre ir do passado para o futuro e vice-versa.
Muitos físicos pensavam que o aumento da entropia pudesse ser um fenômeno exclusivo do mundo macroscópico porque no século XIX o físico austríaco Ludwig Boltzmann explicou a segunda lei da termodinâmica pelos movimentos de um número elevado de átomos. Há 60 anos, porém, muitos pesquisadores tra-balham para ampliar a teoria de Boltzmann para sistemas feitos de poucos ou mesmo um só átomo. E teorias atuais já estabelecem que uma única partícula deve obedecer à segunda lei da termodinâmica.
A equipe de Serra foi a primeira a medir variações de entropia em um sistema tão pequeno que só podia ser descrito pelas leis da mecânica quântica, que regem o mundo submicroscópico. O físico Tiago Batalhão, aluno de doutorado de Serra na UFABC e atualmente em um estágio de pesquisa na Áustria, realiza desde 2014 experimentos em parceria com Alexandre Souza, Roberto Sarthour e Ivan Oliveira, do CBPF, além de Mauro Paternostro, da Queen’s University, na Irlanda, e Eric Lutz, da Universidade de Erlangen-Nuremberg, na Alemanha.
Os experimentos usam campos eletromagnéticos para manipular os núcleos de átomos de carbono de uma solução de clorofórmio (ver Pesquisa FAPESP nº 226). Os núcleos possuem uma propriedade chamada spin, que funciona como a agulha de uma bússola e aponta para cima ou para baixo – cada sentido com uma energia diferente. Os testes começavam com os spins dos trilhões de núcleos apontando em alguma direção – a maioria para cima e uma fração para baixo, dependendo da temperatura. Em seguida, disparava-se um pulso de ondas de rádio no tubo com clorofórmio. Com duração de um microssegundo, o pulso era curto demais para que cada núcleo interagisse com os vizinhos ou o ambiente. Assim, o pulso afetava cada núcleo isoladamente. “É como se cada um deles estivesse isolado do resto do universo”, explica Serra.
Formado por ondas cuja amplitude aumentava no tempo, o primeiro pulso perturbava os spins de cada núcleo, que flutuavam rapidamente e mudavam de direção. Após algum tempo, os pesquisadores disparavam um segundo pulso, idêntico ao primeiro em quase tudo, exceto pelo fato de a amplitude de suas ondas decrescer com o tempo. Com o segundo pulso, que representava uma versão do primeiro pulso invertida no tempo, esperava-se fazer o spin de cada núcleo retornar ao estado inicial. De fato, os spins retornaram a um estado bem próximo ao do início. Mas medidas precisas mostraram que os estados final e inicial não eram iguais. Havia uma discrepância decorrente das transições entre os diferentes estados de energia dos spins, associadas à entropia produzida no processo de aumentar e diminuir a amplitude das ondas, segundo artigo publicado na Physical Review Letters.
Vlatko Vedral, físico da Universidade de Oxford, Reino Unido, que faz experimentos semelhantes usando laser, considera o trabalho uma bela demonstração do que a termodinâmica quântica prevê. “Mas não é surpreendente”, afirma. Ele diz que gostaria de saber se a entropia medida na escala subatômica é produzida por fenômenos descritos pelas leis da física ou se uma parte decorre de algum fenômeno desconhecido atuando sobre a seta do tempo.
Projeto
Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Informação Quântica (nº 2008/57856-6); Modalidade Projeto Temático; Pesquisador responsável Amir Ordacgi Caldeira (Unicamp); Investimento R$ 1.977,654,30 (para todo o projeto).
Artigo científico
BATALHÃO, T. B. et al. Irreversibility and the Arrow of Time in a Quenched Quantum System. Physical Review Letters. 6 nov. 2015.
Este texto foi originalmente publicado por Pesquisa FAPESP de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original aqui.