Flexível, fino e transparente como o filme plástico usado para envolver frutas antes de guardá-las na geladeira, uma película à base de ácido cítrico e germânio desenvolvida por pesquisadores de São Paulo poderia ser incorporada às baterias recarregáveis de íons de lítio, que fornecem a energia utilizada por telefones celulares, computadores portáteis e carros elétricos, e melhorar seu desempenho. O novo material seria usado para fabricar eletrólitos sólidos que ocupariam o lugar de seus atuais congêneres, feitos com polímeros à base de carbono, que constituem o recheio das baterias e são responsáveis por conduzir a eletricidade entre o eletrodo (ou polo) positivo e o negativo. Segundo os físicos e engenheiros das Universidade Federal do ABC (UFABC), em Santo André, na Grande São Paulo, e do Laboratório Nacional de Nanotecnologia, de Campinas, que criaram o novo material, eletrólitos à base de germânio permitiriam reduzir significativamente o tempo de carregamento e aumentar o de durabilidade das baterias, além de diminuir o seu risco de explosão e de vazamento.

Os pesquisadores ainda não instalaram um eletrólito com germânio em uma bateria recarregável para medir seu desempenho real. Mas compararam suas propriedades com as dos materiais usados nesses dispositivos e obtiveram resultados animadores. A condutividade do eletrólito com germânio foi 10 vezes maior do que a das baterias atuais, um indicativo de que os íons (átomos eletricamente carregados) de lítio se movimentam com uma velocidade 10 vezes maior entre os polos do dispositivo. Nas baterias recarregáveis, a corrente elétrica é gerada quando os íons de lítio se deslocam do polo negativo para o positivo. No processo de recarregamento, o movimento se dá em sentido contrário.

Como detalhado em um artigo publicado em novembro de 2019 na Journal of Physical and Chemical Letters, a energia de interação – que indica a capacidade de as cadeias de carbono do eletrólito reter outros elementos químicos – medida no eletrólito com germânio foi de 0,12 elétron-volt (eV). Quanto menor a energia de interação, maior a mobilidade dos íons de lítio nas baterias. “A energia de interação do germânio é a menor obtida mundialmente”, afirma o físico Flávio Leandro de Souza, professor da UFABC e pesquisador do LNNano, um dos autores do trabalho. Segundo ele, o valor médio desse parâmetro nos atuais eletrólitos é de 0,9 eV e nos condutores cristalinos líquidos experimentais de 0,5 eV.

Souza achou a pista desse novo material há 10 anos, quando fazia o doutorado na Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), sob a orientação de Edson Leite. Em uma das etapas da preparação de nanopartículas metálicas com silício para agirem como catalisadores químicos, Souza observou a formação de um material transparente. Substituiu um dos elementos metálicos do catalisador, o níquel, pelo lítio e percebeu que o material se tornava condutor. “Quimicamente, à temperatura ambiente, é um material sólido, com uma propriedade condutora semelhante à do vidro”, diz ele. Mais tarde, sob sua orientação, a engenheira de energia Victória Castagna Ferrari, da UFABC, substituiu o silício por germânio e obteve resultados ainda melhores.

Prêmio Nobel
Em 2019, a importância das baterias de lítio foi reconhecida com o Prêmio Nobel de Química conferido a seus inventores – o físico americano John Goodenough, da Universidade do Texas em Austin, nos Estados Unidos; o químico inglês Michael Stanley Whittingham, da Universidade de Binghamton, no Reino Unido; e o químico japonês Akira Yoshino, da Universidade Meijo, do Japão –, que trabalharam nesses dispositivos desde a década de 1970. Aplicadas em telefones celulares a partir da década de 1990, essas baterias ainda são inflamáveis, quando o celular é esquecido sob o sol por muitas horas seguidas, por exemplo. Há grupos de pesquisa em todo o mundo à procura de materiais que resolvam o problema e aumentem a eficiência desses dispositivos. Em um artigo publicado em outubro de 2019 na revista Chemical Communications, pesquisadores da Universidade Johns Hopkins, nos Estados Unidos, descreveram um material polimérico, à base de derivados do ácido acrílico, que também se apresenta como um filme transparente. Se o novo material melhorar as propriedades eletrônicas e mecânicas das baterias, significará menos tempo de carregamento na tomada e menor risco de explosão e vazamento.

A chamada janela de estabilidade eletroquímica – o limite dentro do qual o dispositivo pode funcionar sem degradar – do material da Johns Hopkins é de até 4,1 Volts (V), enquanto a do eletrólito com germânio chega a 5,2 V, ambos acima do desempenho das baterias em uso, de até 3 V. “Quanto maior essa janela, mais estável o material e menor o risco de se decompor ou causar explosões”, comenta o químico Roberto Torresi, do Instituto de Química da Universidade de São Paulo (IQ-USP), que não participou do estudo com o germânio. Segundo ele, já estão em desenvolvimento eletrodos de até 5 V. “Para funcionarem sem explodir, porém, esses eletrodos precisam de eletrólitos com 5 V de janela de estabilidade”, acrescenta. Grupos de pesquisa norte-americanos e chineses incorporaram o germânio nos eletrodos para aumentar a eficiência energética das baterias. Em um estudo publicado em fevereiro de 2020 na Nano Energy, uma equipe da Universidade Purdue, nos Estados Unidos, descreve um ânodo – o polo negativo – construído com germânio, estrôncio e selênio.

Projeto
Interfaces em materiais: Propriedades eletrônicas, magnéticas, estruturais e de transporte (nº 17/02317-2); Modalidade Projeto Temático; Pesquisador responsável Adalberto Fazzio (UFABC); Investimento R$ 3.789.844,75.

Artigos científicos
FERRARI, V. C. et al. Controlling the activation energy for single-ion diffusion through a hybrid polyelectrolyte matrix by manipulating the central coordinate semimetal atom. Journal of Physical and Chemical Letters. v. 10, n. 24, p. 7684-7689. 25 nov. 2019.
RODRIGUEZ, J. R. et al. Ge2Sb2Se5 glass as high-capacity promising lithium-ion battery anode. Nano Energy. v. 68. 104326. fev. 2020.

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Este texto foi originalmente publicado por Pesquisa FAPESP de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original aqui.