Como registrado aqui em Sínteses, a revista Nature elegeu as baterias de estado sólido um dos 10 temas de pesquisa para prestar atenção em 2020. Esses dispositivos são considerados o futuro das baterias, diante das novas demandas colocadas pela transição energética para fontes renováveis e sustentáveis.

A Sociedade Brasileira de Pesquisa em Materiais (SBPMat) destacou recentemente resultados que mostram a participação da ciência brasileira nesse esforço de pesquisa e desenvolvimento. O trabalho divulgado enfrenta um dos principais obstáculos para as baterias de estado sólido: a baixa condutividade dos eletrólitos sólidos em temperatura ambiente.

Eletrólitos são o meio de propagação da corrente elétrica entre os eletrodos positivo e negativo de uma bateria, pela mobilidade de íons. Nas baterias de íons de lítio que revolucionaram o cenário dos dispositivos eletrônicos portáteis como smartphones e laptops –recebendo, inclusive, o Prêmio Nobel de Química em 2019–, o eletrólito convencionalmente é líquido ou gel. Eletrólitos sólidos trazem maior segurança, evitando vazamentos de substâncias tóxicas e explosões. Além disso, podem resultar em maiores densidade energética e durabilidade das baterias. Uma classe específica de materiais, os eletrólitos sólidos poliméricos, acrescentam leveza e flexibilidade a essas vantagens, o que viabiliza dispositivos menores e com formatos diversos.

O desafio é, portanto, desenvolver eletrólitos sólidos com todas as suas vantagens aliadas a altos valores em termos de condutividade iônica. “O material na forma líquida e em gel tem condutividade iônica, de forma geral, cerca de 20 a 30 vezes maior quando comparado ao mesmo material no seu estado sólido”, revela Flavio Leandro de Souza, professor da Universidade Federal do ABC (UFABC) e pesquisador também do Laboratório Nacional de Nanotecnologia (LNNano).

A notícia da SBPMat conta justamente como um grupo de pesquisadores da UFABC liderados por Souza chegou a um material que bate os recordes conhecidos de condutividade iônica para eletrólitos sólidos poliméricos. A descoberta foi reportada no final de 2019 no periódico The Journal of Physical Chemistry Letters, naquele escolhido como artigo de destaque pela SBPMat em seu último boletim.

O material desenvolvido pelo grupo brasileiro é um filme transparente, leve e flexível de polietileno obtido por um método de fabricação simples, econômico e facilmente escalável para aplicação industrial. Além das vantagens já mencionadas, ele é feito com ácido cítrico e outros materiais que não apresentam riscos quando descartados. O principal avanço veio da substituição de um átomo de silício no centro da estrutura polimérica (chamado de átomo de coordenação) por um átomo de outro elemento, o germânio.

 

Embora o tipo de polímero tenha permanecido o mesmo, alterações na estrutura eletrônica decorrentes dessa substituição elevaram a condutividade e, também, reduziram em 50% a energia de ativação necessária para colocar os íons em movimento, o que pode reduzir o tempo para carregamento da bateria. Junto com a síntese do material, a pesquisa investiu na sua caracterização, para compreensão profunda, por exemplo, do papel do átomo de coordenação na mobilidade da cadeia polimérica e, assim, na condutividade iônica, já que a vibração da cadeia influencia o movimento dos íons pela matriz polimérica.

A existência do material, no entanto, não significa que os desafios envolvidos na produção de baterias de estado sólido estejam todos superados. Uma rápida pesquisa sobre o tema na Internet mostra que, considerando apenas janeiro deste ano, há uma quantidade muito grande de informes sobre resultados relativos a diferentes aspectos a serem equacionados, indicando a complexidade da empreitada.

No caso do grupo da UFABC, o próximo passo é a aplicação do material em diferentes tipos de dispositivos eletroquímicos, como as baterias, e eletrocrômicos, como janelas que mudam de cor pela aplicação de uma corrente elétrica. “De certa forma, o teste mais importante após qualquer desenvolvimento ou descoberta é saber se as vantagens do novo material –ou melhora em um material já existente– se estendem à sua aplicação em dispositivos. Os desafios são sempre maiores quando passamos para esta etapa”, situa Souza. “Como o material que desenvolvemos é bastante versátil e desperta interesse para diferentes aplicações, vamos buscar parceiros também para esta etapa, além de produzirmos alguns dispositivos nós mesmos”, revela.

Na área comercial, vale registrar que, de 26 a 28 de fevereiro, acontece no Japão a principal feira de baterias recarregáveis, a Battery Japan 2020, e os dispositivos de estado sólido ocupam uma parte significativa da programação.

Sínteses, como prometido, acompanhará as novidades. Enquanto isso, para saber mais detalhes do material desenvolvido pelos pesquisadores brasileiros, confira a notícia publicada no site da SBPMat. A pesquisa também foi divulgada na última edição da revista Pesquisa Fapesp.

 

Texto original de Mariana Pezzo publicado na Coluna/Blog Sinteses da Folha de São Paulo